Biogr. Kamenezky
Teresa Rita Lopes
recebeu nova comunicação de Álvaro de Campos – que se apressa a dar a conhecer.
A revelação-mor da sua “Quase-autobiografia” pessoana, faz
questão de realçar Cavalcanti Filho, é a de que Elieser Kamenezky é um novo
heterónimo de Pessoa, a acrescentar ao de José Coelho Pacheco e Padre Matos,
entre outros que inegavelmente existiram como António Botto e Mário de Sá
Carneiro e – revelação ofuscante! – D.Sebastião!
No prefácio que fez ao livro de poemas de Eliezer Kamenezky,
Alma Errante, em 1932, o Fernando tem o cuidado de aconselhar o leitor a que os leia “sem
Grécia, isto é, sem estética nem metafísica” nem “preconceitos estéticos”
porque “são infantilmente sinceros – têm uma poesia própria, independente da
poesia que é propriamente poesia”. Está
tudo dito: não são poesia a valer. Jamais Pessoa assumiria qualquer dos seus
versos. Que papel terá tido nesse livro? A rogo do judeu russo, seu amigo - que
estaria tão empenhado em legar livros à posteridade como o nosso Biógrafo a
decisiva biografia de Pessoa! – ter-lhe-á passado os poemas à máquina,
limpando-os dos seus erros ortográficos e outras muitas impurezas mais
evidentes: por isso alguns ficaram no espólio pessoano, o que não é prova que
Pessoa os tivesse escrito. (O Fernando costumava fazer cópias do que escrevia à
máquina.) Também lá está o romance que Kamenezky quis publicar, Eliezer – o papel que nisso teve o
Fernando é coisa para meditar, não aqui – e isso não quer dizer que seja de
Pessoa. (Que o judeu russo lhe pagou por essas colaborações, como acusa indignadamente
o Biógrafo? Porque não, se ele podia e o Fernando precisava? Pensa que ele
nadava em dinheiro, como o Sr.?)
Jamais da pena de Pessoa sairiam “infantilidades” - assim por ele consideradas no prefácio - como
os versos de Alma Errante. Pequenos
exemplos:
Como uma borboleta
voa /Atrás de outra, no ar,/Assim eu vou atrás de ti,/
Dias e noites, com o meu pensar.
Outra infantil “sinceridade”:
Quem ama e não encontra o seu ideal /É tão infeliz, e
desgraçado, /
Como eu…
Dou ao Biógrafo, de borla, esta sugestão: a certa altura,
uma voz feminina responde ao amado com estes esplêndidos versos: “Querido, os
teus versos são pétalas / Da tua alma sofredora./ Cada uma encerra o aroma / Da
tua alma sonhadora.” Mais um heterónimo neto do Fernando: heterónimo feminino do heterónimo Kamenezky…
O Biógrafo prova definitivamente a sua atribuída autoria
invocando o final do poema (em que o Poeta se dirige à amada, “esculpida com
persistentes marteladas / No mármore vivo da minha dor / E do meu sofrimento”)
em que ela se põe a tocar Beethoven, Chopin e Mendelssohn e não músicas lá da
sua terra, Kalinkas e coisas assim… (Já
agora , fique sabendo que Mendelsshon era judeu!) Que o Sr. acredite que essa
máquina e a secretária que acaba de comprar pelo preço de um apartamento eram
do Fernando, é lá consigo, mas que queira atribuir-lhe esses versos indigentes
é que já é connosco…Na sua ânsia de revelar o verdadeiro e ainda oculto Pessoa,
inventa heterónimos que nunca existiram como tal ou que foram gente de verdade
e, opostamente, tenta desatribuir obras, como o Guia de Lisboa que já está
provado por quem sabe e pode fazê-lo que saiu mesmo da pena do Fernando… Não
suba o coleccionador acima das suas colecções…
Mas olhe: por si até tenho simpatia, como por todos os
coleccionadores. (Até lhe direi ao ouvido onde pode adquirir o urinol que
retiraram do Martinho da Arcada de que – ah isso com certeza! – o Fernando se
serviu muitas vezes!) A quem eu não perdoo é às figuras mais ou menos públicas
que têm promovido os seus irresponsáveis dislates.
Álvaro de Campos, pela pena de Teresa Rita Lopes